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Sistemas de Armazenamento de Energia em BESS: eficiência no setor elétrico

Enquanto o setor elétrico brasileiro passa por mudanças aceleradas, o tema do armazenamento de energia começa a deixar de ser uma discussão de futuro.

O avanço da geração renovável, a sobrecarga em horários de pico e os impactos de eventos climáticos extremos escancaram a necessidade de novas soluções. Entre elas, os sistemas BESS ganham espaço no debate técnico, político e regulatório — embora sua aplicação prática ainda esteja em construção.

Para explicar melhor sobre esse cenário, contamos com a colaboração de Diogo Vinícius João, Arquiteto de Soluções em Energia da Fundação CERTI, mestre e doutorando em engenharia elétrica pela UFSC.

Com experiência na formulação de projetos de P&D voltados ao setor energético, ele contribuiu com análises e exemplos práticos sobre as vantagens, os entraves e os caminhos possíveis para o uso dos sistemas BESS no Brasil. Confira!

O que é Sistemas de Armazenamento de Energia em BESS

BESS, sigla em inglês para Battery Energy Storage System, é um sistema composto pelo gerenciamento de baterias recarregáveis que armazenam energia elétrica e devolvem essa energia à rede em momentos estratégicos.

O funcionamento é comparável ao de um pulmão: absorve o excedente de geração quando a demanda está baixa e injeta energia na rede diante de oscilações, sobrecarga ou interrupções.

Com potencial para estarem presentes em usinas solares e eólicas, subestações, ambientes industriais e também em prédios comerciais, os sistemas BESS contribuem para a estabilidade, continuidade e eficiência do fornecimento de energia elétrica. 

A capacidade de resposta rápida tem tornado esse tipo de tecnologia relevante em um cenário de transição energética e eletrificação em larga escala, onde fontes intermitentes vêm ganhando espaço.

Diogo explica que o conceito é familiar no cotidiano, mas aplicado com outra dimensão: “Estamos falando de algo que, no dia a dia, usamos o tempo todo — como a bateria do celular ou do controle remoto —, mas com uma potência muito maior. O BESS carrega energia de forma inteligente e, quando há uma falha na rede, injeta essa energia de volta, evitando quedas e ampliando a resiliência do sistema.”

Vantagens dos sistemas BESS para o setor elétrico

O aumento da participação de fontes renováveis na matriz elétrica brasileira traz ganhos ambientais, mas também impõe novos desafios à operação do sistema.

A geração solar e eólica, por exemplo, varia conforme as condições climáticas e nem sempre acompanha o comportamento do consumo. Isso pressiona as redes de distribuição, que precisam reagir a picos de carga, quedas abruptas e oscilações na qualidade da energia entregue.

Nesse cenário, os sistemas de armazenamento por baterias passam a ser considerados como uma das alternativas técnicas para mitigar os efeitos da intermitência, reduzir perdas e ampliar a autonomia dos pontos de consumo.

Estabilização da rede em cenários de geração intermitente

Sistemas BESS podem armazenar energia gerada em momentos de baixa demanda — como o pico de geração solar ao meio-dia — e liberá-la nos horários de maior consumo, como no início da noite.

Esse ciclo contribui para suavizar oscilações e evitar sobrecargas. “O sistema atua como um amortecedor entre geração e consumo, injetando energia quando a rede não consegue atender à demanda”, explica Diogo.

Em regiões onde o crescimento da geração distribuída avança mais rápido que a capacidade de adaptação das redes, o uso de baterias pode evitar investimentos mais caros em infraestrutura de transmissão.

Melhoria na gestão e autonomia energética

Um dos papéis do BESS está na manutenção da qualidade do sinal elétrico.

Ao controlar parâmetros como tensão, frequência e energia reativa, o sistema reduz riscos de queima de equipamentos e falhas na rede. “Os sistemas ajudam a manter a frequência dentro do padrão e evitam oscilações que poderiam afetar a operação de eletrodomésticos, motores e outros dispositivos sensíveis”, explica o pesquisador.

O controle dos parâmetros elétricos também contribui para evitar penalidades às concessionárias, uma vez que indicadores como DEC e FEC (duração e frequência de interrupções) impactam diretamente a remuneração das distribuidoras.

Maior autonomia energética e resiliência em eventos extremos

Em casos de falhas na rede, o BESS pode manter a operação de serviços essenciais por um período limitado, sem depender da geração centralizada. A capacidade de sustentar o fornecimento amplia a resiliência de regiões vulneráveis a desastres climáticos, como enchentes ou vendavais.

Segundo Diogo, “em cenários de eventos extremos, o armazenamento atua como uma reserva local. É o que permite manter o consumo mesmo diante de uma falha na rede principal”.

A atuação do sistema como reserva de energia tem sido considerada estratégica em políticas públicas voltadas à segurança energética e à preparação para eventos climáticos severos.

Alívio para picos de demanda e suporte à eletrificação da economia

Com o avanço da eletrificação — da mobilidade urbana à indústria —, o sistema elétrico passa a enfrentar picos de consumo cada vez mais intensos e concentrados.

A recarga simultânea de veículos elétricos, por exemplo, exige volumes altos de energia em janelas curtas de tempo. “Carregar uma frota inteira à noite pode causar um estresse no sistema que ele não consegue suportar. O BESS entra para absorver esse impacto”, comenta Diogo.

A lógica vale também para data centers, sistemas de climatização e processos industriais que exigem potência elevada em ciclos curtos.

Desafios e fatores críticos para adoção dos sistemas BESS

Apesar do avanço tecnológico e do interesse crescente em soluções de armazenamento de energia, os sistemas BESS ainda enfrentam barreiras à adoção em larga escala. 

A promessa de estabilidade, resiliência e eficiência energética precisa ser confrontada com fatores técnicos, econômicos e regulatórios que limitam a aplicação em diferentes contextos.

Alguns desses entraves envolvem decisões de investimento, definição de responsabilidades e preparo da infraestrutura elétrica. Outros, menos visíveis, exigem mudanças estruturais na forma como o setor opera e remunera seus agentes.

Custo inicial e retorno sobre o investimento

A aquisição e a instalação de sistemas BESS envolvem valores elevados, que variam conforme a potência e a autonomia desejadas. O custo de um sistema com capacidade de três a cinco megawatts pode chegar à casa de dezenas de milhões de reais

A viabilidade econômica depende de projeções sobre economia com penalidades, redução de perdas e valorização de serviços auxiliares.

No entanto, a ausência de um modelo de remuneração estável para essas funções cria incerteza. Sem previsão de retorno, investidores e concessionárias tendem a adiar decisões, mesmo em regiões com infraestrutura sobrecarregada.

Aspectos regulatórios

A regulação atual ainda não trata o armazenamento de energia como uma atividade estruturada dentro do setor elétrico. 

A figura do BESS permanece difusa entre geração, distribuição e consumo, o que dificulta o enquadramento técnico e financeiro. Sem diretrizes claras, operadores não sabem como registrar, remunerar ou repassar os custos do sistema.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) anunciou a publicação de uma minuta regulatória para maio. A proposta pretende estabelecer critérios para remuneração dos chamados serviços ancilares, como controle de tensão e frequência, prestados por sistemas como o BESS.

Enquanto isso não ocorre, projetos seguem em caráter experimental ou são viabilizados por iniciativas isoladas.

Gestão do ciclo de vida e manutenção das baterias

A operação dos sistemas exige monitoramento constante do desempenho e da integridade das baterias. Variações de temperatura, ciclos de carga e descarga e envelhecimento químico afetam diretamente a vida útil do equipamento. 

A substituição de módulos ou células pode representar custos adicionais relevantes.

Além disso, o descarte e a destinação das baterias exigem atenção ambiental e logística. Em alguns casos, há limitações de infraestrutura para tratamento adequado dos resíduos, o que pressiona ainda mais os custos de longo prazo.

Integração com sistemas de gestão e monitoramento

A efetividade do BESS depende da capacidade de operar de forma sincronizada com a rede elétrica. Isso envolve comunicação com sistemas SCADA, plataformas de automação e modelos preditivos que orientam decisões em tempo real

Sem essa integração, o sistema funciona de forma limitada e pode até gerar impactos negativos na estabilidade da rede.

Projetos mais recentes já incorporam camadas de inteligência para definir, por exemplo, o melhor momento para carga ou descarga de energia. Como destaca Diogo, “o sistema precisa entender quando deve armazenar energia e quando deve injetar na rede. Sem esse controle, o BESS não entrega o que se espera dele”.

Para que isso ocorra, é necessário integrar variáveis como disponibilidade solar, nível de consumo, condições da rede e prioridades locais de abastecimento.

A atuação da CERTI no desenvolvimento de soluções com BESS

A Fundação CERTI tem contribuído para a aplicação prática dos sistemas BESS no Brasil, com projetos que conectam desenvolvimento tecnológico, controle de redes e regulação.

Um exemplo foi a parceria com a WEG, que resultou em um sistema de controle para o primeiro produto de armazenamento da empresa. “O projeto entregou um produto real, que iniciou a linha de soluções de armazenamento da empresa”, resume Diogo.

Em outra frente, a CERTI desenvolveu um estudo técnico para a GIZ sobre o papel das baterias no setor elétrico. O trabalho abordou lacunas regulatórias e apontou caminhos que agora aparecem em propostas como o leilão de reserva de armazenamento da ANEEL.

A iniciativa antecipa discussões estratégicas, mas ainda carece de articulação com políticas mais amplas para viabilizar modelos de negócio estáveis.

Em parceria com a ENEL, no Ceará, a CERTI também implementou microrredes sustentáveis em áreas remotas, com geração solar, baterias e controle local. O sistema reduziu a dependência de geradores a diesel e garantiu fornecimento mais estável, reforçando o papel do armazenamento em regiões fora do sistema interligado.

As iniciativas mostram como o uso de BESS pode ser viável em contextos diversos. Mas a escala desses avanços dependerá de marcos regulatórios mais claros e de mecanismos que permitam retorno sobre o investimento em projetos de infraestrutura energética.

A perspectiva de longo prazo para os sistemas BESS está diretamente ligada à eletrificação da economia. O consumo tende a crescer, e com ele, a pressão sobre redes já sobrecarregadas. A tendência é que o armazenamento por baterias ganhe novas funções — tanto no suporte à geração distribuída quanto no alívio de picos de demanda em ambientes urbanos e industriais.

Para Diogo, o momento é de transição, mas com sinais concretos de avanço. “Já é difícil encontrar alguém que nunca viu um carro elétrico nas ruas. Esse movimento tende a se expandir para outros setores”, observa.

Em meio à urgência por fontes limpas, estabilidade e segurança energética, os sistemas BESS não são promessa de solução única — mas já ocupam um papel técnico com potencial de expansão real. Desde que custo, regulação e modelo de negócio caminhem juntos.O tema se insere em um cenário mais amplo de transição energética e transformação tecnológica que impacta diferentes setores da economia. Para entender como tendências como o armazenamento de energia, a digitalização e a sustentabilidade vêm mudando a indústria, baixe nosso e-book gratuito: 8 tendências de tecnologia para a indústria em 2025.

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