Pegada de carbono nas grandes empresas: um indicador estratégico para fortalecer práticas ESG
A gestão da pegada de carbono deixou de ser uma pauta ambiental isolada e passou a influenciar decisões estratégicas nas grandes empresas.
A demanda por eficiência, transparência e alinhamento regulatório tem ampliado o uso desse indicador em cadeias produtivas, investimentos e posicionamento de marca.
Neste artigo, contamos com a contribuição de Eduardo Fronza, especialista em P&D em Carbono e Bioeconomia na Fundação CERTI. Ele compartilha experiências técnicas e práticas sobre como a medição de emissões vem se consolidando como instrumento de gestão em contextos industriais.
O que torna a pegada de carbono um indicador estratégico nas empresas?
Em um cenário de transição para uma economia de baixo carbono, a medição da pegada de carbono deixou de ser um tema restrito a relatórios de sustentabilidade.
Nas grandes empresas, esse indicador passou a integrar decisões de investimento, desenho de produtos, estratégias logísticas e posicionamento de marca. Seu valor estratégico está diretamente ligado à capacidade de antecipar riscos regulatórios, gerar ganhos operacionais e atender às novas exigências do mercado e da sociedade.
Da conformidade ambiental à vantagem competitiva
Por muito tempo, a mensuração de emissões foi tratada basicamente como uma ação de sustentabilidade isolada ou para fins de conformidade legal. Hoje, representa uma ferramenta de gestão capaz de revelar gargalos, otimizar processos e reduzir custos. Ao mapear sua pegada de carbono, as empresas identificam oportunidades de eficiência em consumo de energia, transporte, matérias-primas e descarte de resíduos.
Um relatório de 2024 da UCLA Anderson, baseado em dados do S&P 500, mostra que 89,5 % das empresas já divulgam as emissões de Escopo 1, e 88,7 % divulgam as de Escopo 2. A divulgação para o Escopo 3 também avançou: passou de 56,4 % em 2022 para 69,8 % em 2023.
A internalização de práticas de gestão de emissões abre espaço para ganhos logísticos e operacionais. Além disso, reforça a preparação das organizações para futuras exigências regulatórias. “Empresas que adotam a contabilidade de emissões e a precificação interna do carbono reduzem riscos e ganham vantagem competitiva frente à regulação emergente”, pontua Fronza.
Pressões de mercado e expectativas
A pressão por maior transparência climática vem de múltiplas frentes: governos, investidores, fundos internacionais, clientes B2B e consumidores finais.
A medição da pegada de carbono passou a ser critério de seleção em cadeias de suprimento e em decisões de compra de grandes corporações.
Um relatório de C-Level da Deloitte (maio–junho 2024) destaca que mais da metade das grandes companhias já inseriu sustentabilidade em sua estratégia de C‑suite. A inclusão de Escopo 3 ainda é um desafio, mas tende a se intensificar como requisito competitivo.
Fronza destaca que “essa tendência também pressiona empresas de capital fechado, que começam a perceber que sua permanência em mercados estratégicos depende da adoção de métricas de emissões e da construção de uma estratégia climática clara”.
Reforço da reputação e atração de consumidores conscientes
A pegada de carbono também influencia diretamente a percepção de marca. As empresas que reportam suas emissões e demonstram compromissos de redução são mais valorizadas por consumidores atentos às questões ambientais. A transparência nesse aspecto torna-se um diferencial em setores altamente competitivos.
Diversos relatórios de mercado mostram que parte dos consumidores está disposta a pagar mais por produtos sustentáveis. Um deles é o estudo da Simon‑Kucher em 2024 indica que 54 % dos consumidores aceitam pagar premium por atributos verdes.
Fronza reforça esse ponto: “Empresas que reportam e reduzem suas emissões frequentemente obtêm selos, prêmios e certificações que elevam seu prestígio no mercado”. Além do ganho reputacional, essas credenciais funcionam como ferramentas de diferenciação em ambientes com múltiplas ofertas semelhantes.
Como a gestão da pegada de carbono impacta decisões corporativas
Após entender a relevância estratégica da pegada de carbono, é possível observar como ela influencia decisões concretas dentro das empresas. Mais do que um diagnóstico ambiental, a gestão das emissões serve como base técnica para planejamento financeiro, inovação e posicionamento competitivo.
As empresas que estruturam esse processo tendem a integrar indicadores climáticos à lógica de negócios.
Eficiência de recursos e redução de custos
Medir emissões com consistência permite identificar gargalos operacionais. Ao rastrear consumo de energia, transporte e matérias-primas, empresas conseguem reduzir desperdícios e reconfigurar processos.
Como destaca Fronza: “Ao medir a pegada de carbono, empresas conseguem identificar oportunidades de eficiência operacional, reduzir custos e desenvolver produtos mais competitivos”.
Em um cenário de alta nos preços de energia e pressão por desempenho ambiental, essa relação direta entre emissões e eficiência tem implicações financeiras imediatas.
A medição da pegada de carbono também se conecta diretamente à estrutura de incentivos fiscais recém-criada para processos industriais. Setores como transporte, energia e mineração, sujeitos ao Imposto Seletivo, tendem a ser mais impactados.
Já empresas que investem em energia renovável ou atuam com logística reversa podem se beneficiar de regimes diferenciados e créditos tributários. Esse redesenho do sistema fiscal fortalece a lógica de que sustentabilidade e competitividade caminham juntas.
Como destaca Fronza, “empresas que comprovam baixa emissão e aderência às novas regras fiscais conseguem reduzir custos e ganhar vantagem competitiva”.
Adaptação regulatória
O controle da pegada de carbono também prepara as empresas para leis e regulamentos em expansão. Fronza ressalta que “empresas que adotam a contabilidade de emissões e a precificação interna do carbono reduzem riscos e ganham vantagem perante concorrentes”.
Com a promulgação da Lei Complementar 214/2025, a relação entre emissões e competitividade ganhou novo peso. A reforma tributária brasileira passou a considerar o impacto ambiental e climático como critério para incidência ou redução de impostos, criando vantagens fiscais para empresas que comprovem baixa emissão.
Medidas como o Imposto Seletivo, que incide sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, colocam a pegada de carbono no centro da estratégia fiscal.
A possibilidade de alíquotas diferenciadas com base em critérios ambientais, como reciclabilidade e intensidade reduzida de emissões de CO₂, sinaliza um movimento de convergência regulatória com padrões internacionais. As empresas que se antecipam à regulação, nacional ou estrangeira, têm maiores chances de preservar margens e consolidar sua presença em diferentes mercados.
O Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões, em fase de regulamentação, prevê obrigações para as empresas que emitem mais de 25 mil toneladas de CO₂ equivalente ao ano. Em paralelo, diretrizes como a CSRD na Europa e o avanço das normas IFRS S1 e S2 tornam o reporte climático parte da governança.
Fronza reforça que “a precificação do carbono deixa de ser um conceito abstrato e começa a afetar diretamente a carga tributária das empresas. Quem monitora suas emissões têm mais agilidade para se adaptar e reduzir riscos.”
Competitividade internacional
Em mercados com restrições associadas à emissão de carbono, como o europeu, o controle das emissões se tornou um requisito de entrada. O Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM) aplica tarifas sobre importações intensivas em carbono.
Nesse cenário, empresas com dados confiáveis evitam custos extras e preservam acesso a mercados estratégicos. “Se a empresa não consegue comprovar uma boa performance de emissões, pode perder competitividade ou até o acesso ao mercado”, pontua Fronza.
Estímulo à inovação e posicionamento de mercado
A gestão da pegada não se limita ao corte de emissões e também abre espaço para inovação.
Ao identificar os pontos mais intensivos da operação, as empresas priorizam investimentos em tecnologias de baixo carbono. Isso estimula novas soluções em mobilidade, energia, design de produto e reaproveitamento de resíduos dentro de uma lógica de economia circular.
Como explica Fronza: “A busca por baixa emissão impulsiona investimentos em novas tecnologias e soluções limpas, criando diferenciais para o negócio e novas oportunidades de atuação”. Ao mesmo tempo, ele chama atenção para um efeito colateral desse movimento: o risco para empresas que não estão acompanhando essa transformação.
Fronza se refere aos chamados riscos de transição, quando a inovação muda a lógica de mercado e enfraquece tecnologias e modelos de negócio que antes pareciam consolidados. A falência da Kodak, que perdeu o momento de transição para as câmeras digitais, é um exemplo marcante desse tipo de ameaça.
Casos recentes incluem o uso de concreto com baixa emissão e a adoção de fontes energéticas renováveis em plantas industriais. Além de reduzir impactos, essas iniciativas posicionam as empresas como protagonistas na agenda ambiental, o que fortalece a reputação e abre novos mercados.
Barreiras e desafios para medir e gerenciar a pegada de carbono
Embora a medição da pegada de carbono esteja se consolidando como prática estratégica, o caminho até sua plena integração à gestão corporativa apresenta entraves.
Grande parte das empresas esbarra em dificuldades operacionais, culturais e técnicas para consolidar os dados e transformá-los em inteligência aplicada. A ausência de padrões internos e a dispersão das informações comprometem a qualidade das análises e retardam a tomada de decisão.
Descentralização e confiabilidade dos dados
A estrutura das empresas, muitas vezes fragmentada, dificulta o acesso a dados consistentes sobre consumo, transporte e uso de insumos. Informações essenciais muitas vezes estão distribuídas em diferentes áreas ou concentradas em operadores da linha de frente.
Fronza alerta que “pessoas em áreas diferentes detêm os dados, exigindo um esforço de mapeamento e articulação para contabilização representativa das emissões”.
Sistemas de registro nem sempre dialogam entre si, e os formulários de reporte podem conter erros de preenchimento. A revisão técnica por profissionais qualificados ainda é indispensável para garantir coerência dos resultados.
Cultura organizacional e participação das equipes
A gestão da pegada de carbono não depende apenas de ferramentas ou processos técnicos. Ela exige uma mudança cultural que envolva todos os níveis da organização. Empresas com baixa maturidade em ESG costumam enfrentar resistência ou indiferença na coleta de dados e na execução das ações.
Fronza destaca que “mobilizar colaboradores para garantir engajamento nas coletas e na implementação de ações exige um plano de articulação e comunicação estruturado”. Sem o apoio da liderança e sem metas claras que integrem a pauta climática, o tema perde prioridade nas agendas corporativas.
A construção de uma cultura que reconheça a sustentabilidade como parte do negócio passa por capacitação, definição de responsabilidades e alinhamento entre times. Quando o fator humano é negligenciado, o processo todo pode ficar comprometido.
Dificuldade de transformar dados em inteligência estratégica
Muitas organizações conseguem levantar suas emissões, mas param na etapa seguinte. A transformação desses números em decisões estruturais ainda representa um gargalo comum.
Para Fronza, “o principal desafio para muitas organizações é justamente dar o próximo passo: transformar os resultados do inventário em insights operacionais”.
Para isso, modelos como a Curva de Custo Marginal de Abatimento (MACC) permitem identificar oportunidades de alto impacto com menor custo, e benchmarks de emissões setoriais favorecem às empresas na avaliação da sua posição relativa frente à concorrência.
Preparação para auditorias e rastreabilidade de evidências
À medida que os inventários ganham relevância estratégica, aumenta também a exigência por transparência e rastreabilidade. As empresas que buscam certificações ou validações externas precisam organizar documentos, registros e fontes de forma auditável.
Fronza destaca que “a centralização e organização das evidências dentro de uma estrutura compatível com o inventário é crucial, mas pode ser desafiadora”.
A ausência de governança clara sobre os dados gera retrabalho e insegurança quanto à confiabilidade das informações. Falhas na rastreabilidade comprometem a obtenção de selos ou a participação em iniciativas globais de reporte.
O papel da tecnologia no controle e redução das emissões
A integração entre tecnologia e gestão climática tem ampliado a capacidade das empresas de monitorar e reduzir suas emissões com maior precisão. Sistemas digitais oferecem dados em tempo real sobre consumo energético, uso de insumos e processos industriais.
Segundo Fronza, “a tecnologia contribui para a redução da pegada de carbono por meio do controle, da eficiência energética e da otimização de processos”.
A inteligência artificial e a automação permitem simular cenários, cruzar dados operacionais e identificar gargalos com impacto direto nas emissões. Softwares de gestão energética auxiliam no controle da matriz utilizada e favorecem a transição para modelos de energia sustentável. Plataformas em nuvem também facilitam a verificação e rastreabilidade das informações.
Como a Fundação CERTI apoia estratégias climáticas empresariais
A Fundação CERTI atua em diferentes frentes voltadas à redução de emissões e à estruturação de estratégias climáticas. Centros técnicos como o CPC e o CDM desenvolvem soluções em automação, energia e eficiência industrial. Segundo Fronza, “a CERTI contribui com projetos de descarbonização por meio da inovação tecnológica, reduzindo emissões e custos operacionais”.
Além disso, o Centro de Economia Verde apoia empreendimentos da bioeconomia amazônica, oferecendo soluções integradas de economia verde para cadeias produtivas com menor impacto ambiental. As empresas podem participar como clientes ou co-desenvolvedoras, conectando seus desafios a projetos com potencial de escalabilidade e rastreabilidade.Entre em contato com a Fundação CERTI e conheça nossos projetos voltados à descarbonização e eficiência industrial.