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TQP – O Processo de Qualificação de Tecnologia como ponte para a adoção segura de inovações em setores críticos

A transição de uma nova tecnologia do laboratório para o mercado é um processo crítico e desafiador, e frequentemente barrada pelo “vale da morte” da inovação. Nesse estágio, soluções promissoras, apesar de demonstrarem sucesso em protótipos ou ambientes controlados, falham em alcançar a adoção comercial devido a lacunas de confiabilidade, ausência de certificações amplamente reconhecidas e a consequente falta de confiança de investidores e organismos reguladores.

A Fundação CERTI possui vasta experiência em projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I), e tem acompanhado de perto esses desafios. Após estudos e aplicações com metodologias como Technology Readiness Levels (TRLs) e Technology Readiness Assessments (TRA) para avaliar e evidenciar a maturidade tecnológica, seguimos adiante com o Technology Qualification Process (TQP). Este processo, é consolidado internacionalmente, e visa a qualificar tecnologias emergentes e mitigar riscos de adoção.

Vamos entender o que é o TQP

O TQP é um processo estruturado, sistemático e documentado que tem como objetivo demonstrar a segurança, confiabilidade e adequação de uma nova tecnologia ao seu uso pretendido. Ele não substitui o TRL ou o TRA, mas os integra em um plano formal que guia todo o percurso de qualificação.

O conceito de nova tecnologia não se restringe a soluções inéditas, mas também inclui aquelas aplicadas em condições distintas das originalmente validadas [1]. Por exemplo, uma válvula, um sensor ou um processo de fabricação podem ser considerados “novos” se empregados em ambientes com condições não convencionais, pressões ou temperaturas extremas, ou em combinações de arquitetura de sistema inéditas. A DNV (Det Norske Veritas), renomada sociedade classificadora e certificadora, recomenda avaliar o grau de novidade em cinco dimensões. Cada dimensão, variando de “nenhuma” a “alta novidade”, determina o nível de rigor necessário no processo de qualificação. As cinco dimensões são

  • Conceito → novos princípios ou novas arquiteturas funcionais;
  • Projeto → soluções de engenharia, integrações ou arranjos inéditos;
  • Materiais → aplicação de materiais em condições ainda não testadas;
  • Fabricação → processos produtivos ou de montagem não padronizados;
  • Operação → uso em novos ambientes ou regimes (ex.: alta profundidade, pressões elevadas, ambiente explosivo).

Cada item pode ser classificado como:

  • Nenhuma novidade (já usado de forma idêntica em condições equivalentes);
  • Baixa novidade (adaptação ou pequena modificação de algo já comprovado);
  • Novidade moderada (combinação nova de elementos conhecidos);
  • Alta novidade (conceito totalmente novo ou aplicação em condições extremas sem histórico de uso).

Essa abordagem estruturada permite uma avaliação baseada em risco, auxiliando empresas e reguladores na decisão sobre a real necessidade de testes. Assim, o TQP otimiza recursos, evitando tanto o excesso de ensaios – que eleva o custo da inovação – quanto a carência de evidências, que compromete a confiança.

Por que o TQP é relevante?

Em setores altamente regulados, não é suficiente demonstrar o funcionamento de uma tecnologia em protótipos preliminares. É mandatório comprovar que ela manterá desempenho, segurança e confiabilidade ao longo de todo o seu ciclo de vida, mesmo em condições reais de aplicação.

Exemplos elucidativos:

  • Óleo & Gás: Normas como a API RP 17Q exigem qualificação formal. Sistemas submarinos só podem ser instalados mediante evidências robustas de confiabilidade via TQP.
  • Energia: Turbinas eólicas offshore e sistemas de armazenamento necessitam demonstrar segurança e disponibilidade antes da certificação e da operação comercial.
  • Aeroespacial e Defesa: Satélites, aeronaves e sistemas de defesa passam por auditorias rígidas. O TQP conecta inovação com certificação aeronáutica e de missão.
  • Saúde: Implantes e dispositivos médicos requerem rastreabilidade e ensaios clínicos controlados. O TQP organiza testes destrutivos e não destrutivos para atender as demandas via organismos reguladores.

O TQP está se tornando mandatório para operadores globais (Petrobras, Equinor, Shell), agências reguladoras (ANP, FAA, EASA) e organismos de certificação independentes (DNV, ABS, Bureau Veritas e Lloyd’s Register). Através de um processo sistemático de verificação e validação formal, esses entes emitem a Declaração de Qualificação de Tecnologia, assim como um selo de confiança para a adoção segura e comercial da tecnologia.

Esses exemplos demonstram que o TQP é mais do que um diferencial competitivo: é um requisito mandatório para a inserção em cadeias globais de valor.

A importância do TQP na Manufatura Aditiva

A Manufatura Aditiva (MA) exemplifica a necessidade do TQP, pois, apesar de seu grande potencial para a produção de peças complexas em setores como aeroespacial, energia e saúde, a MA ainda enfrenta barreiras significativas: variabilidade de materiais, reprodutibilidade de processos, ausência de normas consolidadas e a necessidade de comprovação em campo [3].

O desafio é ainda maior para peças de reposição. Quando um componente fabricado por MA substitui outro produzido por métodos convencionais, não é suficiente comprovar suas dimensões ou resistência mecânica. É essencial avaliar como essa peça interage com o sistema completo, considerando compatibilidade funcional, interfaces críticas e o impacto na confiabilidade global. Em muitos casos, a substituição de uma única peça pode exigir a revalidação de todo o sistema.

O TQP fornece a estrutura para enfrentar barreiras como:

  • Estabelecer protocolos de qualificação de peças críticas e de reposição;
  • Validar materiais, parâmetros e processos de fabricação, garantindo consistência;
  • Assegurar rastreabilidade completa de dados.

Conclusão

A Fundação CERTI tem atuado na vanguarda na difusão e aplicação de métodos de mediação e avaliação tridimensional avançada, auxiliando o processo de qualificação tecnológica no Brasil. O TQP deve ser aplicado com o TRL e TRA, capacitando inovações a superar o “vale da morte” e alcançando o mercado com segurança, confiabilidade e conformidade regulatória.

No campo da Manufatura Aditiva, essa jornada adquire relevância especial, uma vez que une inovação disruptiva com exigências crescentes de qualificação e certificação das peças produzidas.

👉 Continue acompanhando nosso blog para mais conteúdos sobre TRL, TRA, TQP e gestão da maturidade tecnológica, e como esses instrumentos fortalecem a competitividade da indústria brasileira.

Referências

  1. DNV. DNV-RP-A203: Technology Qualification. Høvik: DNV; 2019.
  2. API. API RP 17Q: Recommended Practice for Subsea Equipment Qualification. Washington: API; 2019.
  3. Chen, Z., Han, C., Gao, M., Kandukuri, S. Y., & Zhou, K. (2021). A review on qualification and certification for metal additive manufacturing. Virtual and Physical Prototyping, 17(2), 382–405. https://doi.org/10.1080/17452759.2021.2018938

Esse conhecimento foi desenvolvido no âmbito do projeto Centro Temático de qualificação de peças críticas fabricadas por Manufatura Aditiva (CTMA) que é uma iniciativa da Fundação CERTI em parceria com o CTI Renato Archer, com fomento da FINEP, cujo objetivo é consolidar competências em P&D para qualificação de peças críticas no Brasil. Para mais informações sobre o projeto ou para explorar oportunidades de colaboração, entre em contato através do e-mail metrologia@certi.org.br, pelo telefone +55 48 3239 2120 ou visite www.metrologia.certi.org.br.